Em entrevista ao Estadão PME, Marcos Galperín falou sobre o início da empresa, o mercado de comércio eletrônico e deu dicas para novos empreendedores
Uma pequena garagem no subsolo de um edifício em Buenos Aires, na Argentina, serviu como o primeiro escritório do MercadoLivre, site pioneiro no comércio eletrônico da América Latina. Criado pelo argentino Marcos Galperin em agosto de 1999, o site que facilita a compra e venda de produtos pela internet logo se expandiu e chegou a outros países como o Brasil, Colômbia, Chile, Equador, México, Uruguai, Venezuela e Peru.
Hoje, o MercadoLivre opera em 13 países, é um dos dez sites mais acessados do Brasil, primeiro em comércio eletrônico na América Latina e oitavo no mundo. E está passando por mudanças em seu posicionamento para garantir um crescimento de longo prazo.
Entre elas, está a abertura da plataforma para que empresas e desenvolvedores criem aplicativos de compra e venda; a abertura de novos negócios, como a empresa de pagamento online Mercado Pago e a plataforma para criação de lojas virtuais Mercado Shops; além do investimento em centros de pesquisa e desenvolvimento de software.
Antes de fundar o MercadoLivre, Galperin, de 39 anos, trabalhou no departamento de renda fixa da JP Morgan em Nova York e na YPF, em Buenos Aires, onde dirigiu a área de Mercados de Capital e de Futuros e Opções. Ele fez MBA na Universidade de Stanford – o MercadoLivre foi o projeto de conclusão do curso - e se formou com honras em Wharton, a Escola de Negócios da Universidade da Pensilvânia.
Em entrevista ao Estadão PME, Galperín falou sobre o início da empresa, as dificuldades enfrentadas e o mercado de e-commerce brasileiro.
Estadão PME - O MercadoLivre nasceu em uma garagem. Como foi o início do projeto? Como a maioria dos empreendedores, você teve dúvidas sobre a viabilidade do negócio? O que o motivou a continuar?
Marcos Galperin - Uma garagem situada no subsolo de um edifício no bairro de Saavedra foi o nosso primeiro escritório. Ali nasceu e foi projetada a empresa. Eu não tinha dúvidas sobre a viabilidade do negócio, queria que fosse algo bem-sucedido na internet latino-americana e podemos ver os resultados hoje.
De qualquer maneira, enfrentamos vários obstáculos, como adaptar o modelo de negócio dos Estados Unidos para trabalhar na América Latina; desenvolver uma tecnologia que é escalável e um produto de fácil entendimento para usuários da região; investir na América Latina e ser líder em cada país onde operamos; incentivar que as pessoas usem a plataforma e que estejam dispostos a pagar por este serviço; assegurar que o MercadoLivre.com seja o site com os mais altos índices de segurança em todo o mundo e construir e manter uma equipe de colaboradores para ajudar a atender a todas as demandas acima.
Estadão PME - Qual a melhor estratégia para quem está iniciando um negócio na internet hoje?
Marcos Galperin - Creio que a melhor estratégia é agregar valor ao seu produto ou negócio, permanecendo sempre atento às ações da concorrência. Além disso, recomendamos ao nosso usuário (no caso da Mercado Shops) que passe por uma série de etapas antes de entrar de cabeça no comércio eletrônico.
Um passo a passo simplificado seria, primeiro, definir o foco do negócio, escolher os produtos que serão oferecidos e checar como está a concorrência; depois, certificar-se de que existe demanda para o setor em que planeja investir e buscar um diferencial; oferecer meios de pagamento eficientes, criar a loja virtual e trazer o internauta para dentro do seu site.
Estadão PME – Qual o potencial do mercado brasileiro de e-commerce hoje?
Marcos Galperin - O e-commerce brasileiro é muito mais desenvolvido e competitivo em comparação aos demais países da América Latina. As maiores lojas varejistas off-line do País também estão online, há a presença de outros sites específicos B2C (venda direta para o consumidor), maior concentração de lojas de hospedagem e desenvolvedores de plataformas web.
Também é preciso considerar um panorama socioeconômico no qual temos a maior população em comparação aos demais países da região, uma melhoria na distribuição de renda, com um cenário de consumo aquecido. Um fato importante é a bancarização crescente e a adoção de homebanking. Do ponto de vista de infraestrutura, contamos historicamente com uma cadeia logística mais eficiente, se comparadas com as enormes distâncias existentes para o mercado off-line.
Para complementar este cenário, a pesquisa desenvolvida pela Nielsen Company, que divulgamos recentemente, também nos trouxe algumas conclusões bastante positivas. Mesmo diante de um clima internacional de incertezas, o empreendedor brasileiro está otimista e querendo expandir suas negociações. O levantamento mostrou uma tendência interessante: 77% dos vendedores ouvidos acreditam que a internet é o canal mais rentável para comercialização de seus produtos e 93% consideram que a web vai continuar crescendo em 2012. Ou seja, a força do e-commerce ainda está gerando um clima de otimismo entre os empreendedores virtuais.
Estadão PME – Você acredita que o Brasil tem condições de lançar o próximo Google?
Marcos Galperin - Entendo que há condições para que todo o ecossistema tecnológico se desenvolva e que nesta constante inovação possuam surgir novos players no mercado. Por ter uma grande massa populacional, é viável que uma inovação brasileira se torne um líder mundial.
Estadão PME – O Mercado Livre recebeu investimento de fundos, recurso que tem sido muito procurado pelas startups brasileiras. Em sua opinião, qual o melhor momento para receber esse tipo de investimento? Em que situações acredita que esse investimento pode não ser interessante?
Marcos Galperin - Aqui existem duas forças contraditórias que o empreendedor deve balancear. Se o empreendedor esperar mais tempo para levantar fundos, o resultado pode ser melhor, pois a empresa se encontra em um estágio mais avançado e, portanto, sua valorização será maior.
Por outro lado, muitos empresários não podem esperar muito para levantar recursos, porque às vezes o processo pode ser lento e há riscos econômicos para a empresa. Tem que levar em conta este equilíbrio no momento de tomar a decisão. Hoje, existem alguns fundos interessantes que estão muito focados nas startups brasileiras relacionadas à tecnologia e este aspecto é muito favorável para o crescimento e desenvolvimento do ecossistema.
Quanto ao melhor momento, nossa opinião tem como base a nossa experiência. O MercadoLivre recebeu apoio no início da nossa operação por meio de duas rodadas de financiamento, além do capital inicial investido. A primeira rodada, realizada em novembro de 1999, alcançou US$ 7,6 milhões e a segunda rodada foi realizada em maio de 2000, alcançando US$ 46,7 milhões. Em agosto de 2007, MercadoLibre, Inc. realizou sua oferta pública inicial na Nasdaq.
Estadão PME – O segmento de modas e acessórios está entre os cinco que mais movimentam o e-commerce, mas é considerado um dos segmentos mais difíceis de ser trabalhado na rede. Qual a estratégia do MercadoLivre para comercializar esse tipo de produto?
Marcos Galperin - De fato, este é um público bastante peculiar e, como tal, merece atenção especial. Para nos adaptarmos a esta demanda crescente, a plataforma já está passando por algumas mudanças. O MercadoLivre já conta com fotos em alta definição e zoom detalhado para os todos os anúncios. Atualmente, os anúncios da categoria de calçados estão passando por melhorias e, em breve, contará com descrição de cores e tamanhos, para que os usuários tenham uma melhor experiência de navegação e negociação.
Estadão PME – Quais as tendências e oportunidades para os empreendedores que queiram vender pela internet?
Marcos Galperin - Segundo a já citada pesquisa realizada pela Nielsen, atualmente 134 mil pessoas vivem com renda total ou parcial proveniente da venda de produtos por meio do MercadoLivre e, para 2012, a estimativa é de 45 mil novas vagas. Além disso, em 2011 a plataforma registrou o número de 5 milhões de vendedores únicos. Portanto, acreditamos que este número tem amplas possibilidades de continuar se expandindo na América Latina nos próximos anos. Para isso, acredito que as tendências e oportunidades seguem sendo ter um produto de qualidade, bom preço e um ótimo atendimento aos clientes.
Fonte: Estadão PME