Marcos Hashimoto*
Acredito que todos nós nascemos empreendedores, e que cada
um de nós passa por circunstâncias na vida que podem fazer nosso lado
empreendedor se manifestar. Estas circunstâncias podem ter as mais diversas
naturezas, são os ‘chamados’ para empreender. Pode ser um curso que você fez,
pode ser um amigo que o influenciou, pode ser um trabalho bem feito, os
‘chamados’ surgem de qualquer lugar. Muitas vezes nem notamos, outras vezes não
seguimos. Mas, às vezes, é tão forte que não conseguimos ignorar. Para Jorge,
este chamado foi uma ideia. Ela surgiu durante o seu trabalho, como se fosse
uma anunciação divina. No começo, só um insight, uma semente, uma possibilidade
remota que aos poucos foi crescendo, se tornando mais clara, até que ele não
conseguia mais dormir, era só a ideia que ocupava sua mente, cada vez com mais
detalhes, cada vez mais clara. Quanto mais evidente e óbvia, maior era sua
ansiedade e seu desejo de torná-la realidade.
Só que Jorge era um lixeiro, sem ter sequer completado
o ensino médio, sem dinheiro, sem nenhuma influência familiar para ser algo
grande na vida. Para ele, sua vida se resumia a acordar às 8 da noite, jantar,
ir para o trabalho e passar a madrugada recolhendo lixo nas ruas, para depois
voltar para casa, brincar com o filho pequeno, almoçar e voltar a dormir. Tinha
um salário para viver uma vida simples e humilde e não tinha nenhuma aspiração
de carreira. A ideia surgiu numa noite, quando prestou um pouco mais de atenção
ao seu mecânico trabalho de coleta de lixo. Era um processo simples, quase todo
automatizado. Em algumas cidades, o sistema de coleta de lixo funciona da
seguinte maneira: em cada quarteirão existe uma grande caixa de plástico, com
tampa e dotado de rodinhas, na rua, encostada no meio-fio. Para jogar o lixo,
as pessoas vão até esta caixa, abrem a tampa e depositam seus sacos de lixo lá
dentro. De madrugada, os caminhões passam pelas ruas e param ao lado de cada
uma destas caixas. O lixeiro só tem o trabalho de empurrar a caixa para
conectar a um dispositivo na traseira do caminhão, quando então este
dispositivo é acionado, levanta e vira a caixa para que a tampa se abra e todo
o conteúdo escorregue para dentro do caminhão. Depois de vazia, a caixa volta à
situação inicial, o lixeiro a destrava e a recoloca no seu lugar na rua. Em
seguida, o caminhão se dirige ao próximo quarteirão e todo o processo se
reinicia.
As semanas se passavam e Jorge já não aguentava mais aquela
ideia martelando a sua cabeça, cada dia mais forte, mais insistente, mais cheia
de detalhes que o convenciam que a ideia era boa. Pois uma noite, ele teve
coragem e humildemente pediu ao seu supervisor para autorizá-lo a sair naquela
noite com uma caixa vazia já conectada ao caminhão. Não se sabe
porque o supervisor de Jorge autorizou aquela mudança de procedimento, até
porque Jorge nem sabia explicar o que queria fazer. Quando chegou ao primeiro
quarteirão, ele destravou a caixa vazia, colocou-a no lugar da caixa cheia e
conectou a caixa cheia no dispositivo. Então, mandou o motorista seguir e
enquanto o caminhão se movimentava ele acionou o dispositivo para esvaziar a
caixa. Ao chegar ao quarteirão seguinte, a caixa já havia sido esvaziada e
Jorge então troca novamente a caixa para reiniciar todo o ciclo. A simples
ideia de Jorge de usar o mesmo tempo de esvaziamento da caixa para o
deslocamento do caminhão fez sua equipe encerrar o trabalho todo na metade do
tempo que os outros colegas normalmente levam. Logo sua ideia foi implantada em
todas as equipes de coleta e Jorge ganhou um aumento no salário.
Não sei o que aconteceu depois com Jorge. Talvez tenha
ficado muito orgulhoso, mas não tenha feito mais nada diferente depois. Pode
ser que aquela primeira experiência o estimulou a trazer novas ideias para a
empresa. Pode ser que tenha se tornado um empreendedor no setor de serviços
públicos. Só sei que ele resolveu ouvir o chamado e não se arrependeu. E
você, está ouvindo o chamado do empreendedorismo? Se já for empreendedor, tem
valorizado os intraempreendedores da sua equipe?
* Marcos Hashimoto é doutor em Administração pela EAESP-FGV.
Sócio-fundador e tesoureiro da Associação Nacional de Estudos em
Empreendedorismo e Pequenas Empresas.
Fonte: Endeavor Brasil.
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