quarta-feira, 24 de março de 2010

Ensino de empreendedorismo no Brasil

Temos um enorme problema de natureza cultural: nossos pais nos educaram para buscarmos um bom e estável emprego em uma grande empresa e não para ter o nosso próprio negócio

Por Marcos Hashimoto*

Considerando agora os professores de empreendedorismo, comentou-se que a percepção é que a maioria não foi formada originalmente em empreendedorismo. Justamente por não ter um histórico estabelecido de geração de conhecimento cientifico. Só recentemente o empreendedorismo vem sendo escolhido como linha de pesquisa acadêmica para dissertação de mestrado ou tese de doutorado, o que faz com que sejam ainda raros os professores com esta qualificação acadêmica específica. Por esse motivo, os profissionais que se dedicam ao ensino de empreendedorismo possuem formação em áreas tão diversas quanto economia, tecnologia ou psicologia.

O repentino crescimento na oferta da disciplina nos últimos anos nas faculdades e universidades do país agravou ainda mais essa condição, e o aumento da demanda se uniu à restrição da oferta. A falta de uma unidade de caráter epistemológico do tema levou a uma indesejada falta de taxonomia comum a todos os professores. Com isso, cada professor tem sua própria definição sobre empreendedorismo, muitas vezes com aspectos contraditórios uns dos outros. Mesmo entre autores de livros e pesquisadores acadêmicos não há uma unicidade nas definições conceituais.

Juntando tudo isso, o que vemos é um conjunto de aberrações no qual cada professor constrói o currículo do seu curso de acordo com o viés de sua formação e assim não conseguimos encontrar dois cursos iguais de empreendedorismo, pois cada um interpreta esse conteúdo segundo sua própria conveniência, baseado em sua experiência e conhecimento específico. Essa discrepância levou à falta de consenso sobre o currículo mínimo ou ideal das disciplinas de empreendedorismo nos atuais cursos e culmina com a inevitável dificuldade de aprendizado pelo aluno.

Para piorar, empreendedorismo é uma cadeira de caráter naturalmente multidisciplinar, com diversidade de áreas de conhecimento, diversas áreas da administração e, dentro de administração, a qualquer segmento da indústria. Um escopo tão abrangente implica em uma necessidade de formação generalista do professor, pois ele precisa falar do impacto das pequenas e médias empresas na economia, dos principais tributos que incidem sobre um negócio nascente, sobre a dificuldade das grandes organizações de cultivarem o espírito empreendedor como parte de sua cultura, do comportamento e atitude do empreendedor e do cálculo do valor presente líquido para análise de um investidor de risco.

Esse problema seria minimizado com a quebra do tema em assuntos menores, cada um em uma disciplina diferente. Mas não é o que acontece. Embora o crescimento de cursos de empreendedorismo no ensino superior seja uma boa notícia, as ofertas ainda são tímidas em termos de quantidade de disciplinas sobre o tema oferecidas em cada curso, na maioria dos casos, não mais do que uma única disciplina, e mesmo assim, optativa. Nas boas escolas americanas, empreendedorismo é um tema que se desdobra em várias disciplinas, obrigatórias e eletivas, além de inúmeros outros cursos de extensão complementares específicos, como empreendedorismo corporativo, empreendedorismo social, franquias, empresas familiares, capital de risco, entre outros.

Analisando o currículo dos atuais programas de empreendedorismo existentes, notamos que a clara maioria continua presa ao paradigma do negócio próprio, e, consequentemente a um programa essencialmente voltado para a elaboração de um plano de negócio. Na maioria dos cursos, essa justificativa é perfeitamente plausível e racional, pois hoteleiros, analistas de software, publicitários, editores, engenheiros, farmacêuticos e outros profissionais precisam conhecer fundamentos de novos negócios para começarem suas empreitadas empreendedoras. Podemos dizer que até as categorias de profissionais liberais, como médicos, arquitetos, advogados, dentistas, jornalistas e demais também precisam ter fundamentos de gestão de negócios. Já nos cursos de Administração, o escopo do ensino de empreendedorismo deveria ir muito além do plano de negócios, pois os alunos já aprendem os fundamentos de negócios em cada disciplina específica.

Não faz sentido repetir conceitos e sim promover a transversalidade do conteúdo sobre negócios nessas disciplinas, aproveitando a natureza multidisciplinar do tema. Assim, o professor de contabilidade, por exemplo, dedicaria algumas horas para falar sobre o processo de abertura de novas empresas, o professor de marketing explicaria como montar campanhas de comunicação com baixo orçamento, o professor de direito falaria sobre as categorias tributárias de pequenas empresas, o professor de finanças apresentaria técnicas de gestão de fluxo de caixa e assim por diante. Algumas das grandes escolas de negócios americanas ousaram excluir a disciplina de novos negócios de seus currículos, distribuindo esse conteúdo ao longo das demais disciplinas da grade. Nós ainda estamos longe disso.

A disciplina de empreendedorismo deve focar o comportamento empreendedor, ensinar como lidar com recursos limitados, correr riscos e tolerar o fracasso e o erro, ter perseverança e determinação, competir com grandes empresas, buscar liberdade e autonomia, superar limites e promover mudanças inovadoras. Para isso, o professor de empreendedorismo precisa sair da sala de aula e explorar outras técnicas de ensino vivencial, através de dinâmicas, competições, desafios, contato com empreendedores, laboratórios de experimentação, clubes de convivência e networking. Poucas áreas têm nos estudos de caso maior relevância e valor quanto empreendedorismo. Histórias de empreendedores, casos de fracasso, dilemas de gestores de pequenas empresas, servem como instrumentos fundamentais para o professor.

Como educador, cabe ao professor de empreendedorismo incutir a semente da curiosidade sobre o tema em seus alunos, ajudando-os a conhecer essa possibilidade de carreira e mostrando-lhes os caminhos para o auto-desenvolvimento. A tarefa de transferir essa paixão nos leva a inferir que, tão importante quanto o conhecimento acadêmico, o professor precisaria ter tido a vivência empreendedora em seu histórico de vida, seja como consultor ou como empreendedor. Esse seria um caminho para ele encontrar o melhor equilíbrio entre a teoria e a prática, o conceitual e o instrumental, sem tomar partido de um ou de outro.

Como se tudo isso não bastasse, os participantes do encontro ainda ressaltaram que devemos buscar soluções tanto para o presente quanto para o futuro, procurando imaginar quem será o empreendedor brasileiro de 2020. Para enfrentar todos esses desafios, acabamos por concluir que o professor de empreendedorismo deve ser empreendedor também.

* Marcos Hashimoto é coordenador do Centro de Empreendedorismo do Insper

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